domingo, 12 de julho de 2009

Tênis e Frescobol - Rubem Alves

Depois de muito meditar sobre o assunto concluí que os relacionamentos são de dois tipos: há os do tipo 'tênis' e há os do tipo 'frescobol'. Os relacionamentos do tipo tênis são uma fonte de raiva e ressentimentos e terminam sempre mal. Os do tipo frescobol são uma fonte de alegria e têm a chance de ter vida longa. Explico: para começar, uma afirmação de Nietzche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: 'Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta:
'Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até sua velhice?

Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar.' Scherazade sabia disso. Sabia que os relacionamentos baseados nos prazeres da cama são sempre decapitados pela manhã, e terminam em separação, pois os prazeres do sexo se esgotam rapidamente.

Há os carinhos que se fazem com o corpo e há os carinhos que se fazem com as palavras. E contrariamente ao que pensam os amantes inexperientes, fazer carinho com as palavras não é ficar repetindo o tempo todo: 'Eu te amo...'.Barthes advertia: 'Passada a primeira confissão, 'eu te amo' não quer dizer mais nada.'

É na conversa que o nosso verdadeiro corpo se mostra, não em sua nudez anatômica, mas em sua nudez poética. Recordo a sabedoria de Adélia Prado: 'Erótica é a alma'.

O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro: o outro foi incapaz de devolver a bola.
Joga-se tênis para fazer o outro errar. O bom jogador é aquele que tem a exata noção do ponto fraco do seu adversário, e é justamente para aí que ele vai dirigir sua cortada - palavra muito sugestiva - que indica o seu objetivo sádico, que é o de cortar, interromper, derrotar. O prazer do tênis se encontra, portanto, justamente no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro.

O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. Se a bola veio meio torta, a gente sabe que não foi de propósito e faz o maior esforço do mundo para devolvê-la gostosa, no lugar certo, para que o outro possa pegá-la. Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra, pois o que se deseja é que ninguém erre. O erro de um, no frescobol, é um acidente lamentável que não deveria ter acontecido, pois o gostoso mesmo é jogar pra sempre... E, o que errou pede desculpas, e o que provocou o erro se sente culpado.

Mas não tem importância: começa-se de novo este delicioso jogo em que ninguém marca pontos... A bola: são nossas fantasias, irrealidades, sonhos sob a forma de palavras. Conversar é ficar batendo sonho prá lá, sonho prá cá...

Mas há casais que jogam com os sonhos como se jogassem tênis. Ficam à espera do momento certo para a cortada. Tênis é assim: recebe-se o sonho do outro para destruí-lo, arrebentá-lo, como bolha de sabão... O que se busca é ter razão e o que se ganha é o distanciamento. Aqui, quem ganha sempre perde. Já no frescobol é diferente: o sonho do outro é um brinquedo que deve ser preservado, pois se sabe que, se é sonho, é coisa delicada, do coração.

O bom ouvinte é aquele que, ao falar, abre espaços p/que as bolhas de sabão do outro voem livres. Bola vai, bola vem-cresce o amor...
Ninguém ganha, para que os dois ganhem. E se deseja então que o outro viva sempre, eternamente, para que o jogo nunca tenha fim...


Rubem Alves


Novas aprendizagens.

Novos conhecimentos.

Construção e desconstrução do conhecimento.


TRANSA GRAMATICAL... (profundamente sensual)...

REDAÇÃO DE ALUNA DA UFPE

Redação feita por uma aluna do curso de Letras, da UFPE Universidade Federal de Pernambuco - (Recife), que venceu um concurso interno promovido pelo professor titular da cadeira de Gramática Portuguesa.

"Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no
elevador.

Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos
pelas preposições da vida.

E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um
maravilhoso predicado nominal.

Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujeito oculto,
com todos os vícios de linguagem, fanáticos por leituras e filmes ortográficos.
O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém
ver e ouvir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a
perguntar, a conversar.

O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice.
De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o
substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo
depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se
movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do
substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu
aposto.

Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética
clássica, bem suave e gostosa. Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato
com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele
começou outra vez a se insinuar.

Ela foi deixando, ele foi usando seu forte adjunto adverbial, e rapidamente
chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num
transitivo direto.

Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu
ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um
período simples passaria entre os dois.

Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu
o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo.

É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às
vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros.

Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e
substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa
próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta.

Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito
agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande
travessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu
repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e
entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram
gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver
aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo
auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu particípio na história.

Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o
edifício.

O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura,
minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto.

Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo
do sujeito apontado para seus objetos. Foi chegando cada vez mais perto,
comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma
mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um
ditongo nasal, penetraria ao gerúndio do substantivo, e culminaria com um
complemento verbal no artigo feminino.

O substantivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois
dessa, pensando em seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história:
agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-o pela janela e voltou ao seu
trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em
conjunção coordenativa conclusive".

PARA VOCÊ ME EDUCAR
Fábio Felix


PARA VOCÊ ME EDUCAR
Você precisa me conhecer, precisa saber de minha vida
Meu modo de viver e sobreviver,
Conhecer a fundo as coisas nas quais eu creio
E as quais me agarro nos momentos de solidão, desespero, sofrimento...
Precisa saber e entender as verdades, pessoas e fatos
Aos quais eu atribuo forças superiores às minhas
E aos quais me entrego quando preciso ir além de mim mesmo.
PARA VOCÊ ME EDUCAR
Precisa me encontrar lá onde eu existo,
Quer dizer, no coração das coisas,
Nos mitos e nas lendas, nas cores e movimento,
Na força dos astros, do sol e da chuva.
PARA VOCÊ ME EDUCAR
Precisa estar comigo onde eu estou,
Mesmo que você venha de longe e que esteja muito adiante,
Só há um adiante para mim,
Aquele que eu construo e conquisto,
Só há uma forma de construí-lo;
A partir de mim mesmo e do meio em que vivo.
PARA VOCÊ ME EDUCAR
Precisa compreender a cultura do contexto, em que se dá meu crescimento.
Pois suas linhas de força são as minhas energias.
Suas crenças, expectativas são as que passam a construir
O meu credo e as minhas esperanças.
Mas eu também estou aberto para outras culturas.
Identidade cultural não significa prisão ao espaço que ocupo,
Mas abertura ao que é autenticamente nosso
E ao que vindo de fora, nos pode fazer mais nós mesmos.
A cultura universal é produto de todos os homens.
Mas como posso contribuir com essa fraternidade
Se não constitui o meu eu,
e não tenho minha expressão cultural própria?
A educação que necessito, é aquela que me faz eu,
Que desperta do mistério do meu ser,
As potencialidades adormecidas.
É uma educação que promove minha identidade pessoal.
Eu me educo fazendo cultura e nesse ato de geração cultural,
Eu construo minha educação, conquisto o meu ser,
Na relação dialógica homem/natureza.

O ato de educar

"Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor para a formação do homem."
( Carlos Drummond de Andrade )