segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Inteligência Social

A arte de se relacionar

Como as seis habilidades fundamentais que compõem a nova teoria da inteligência social - a capacidade de lidar com as outras pessoas - podem garantir o sucesso na vida pessoal e profissional

Débora Rubin

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Sim, o gene da gentileza existe. E, segundo estudo da Universidade de Toronto, no Canadá, que fez a descoberta, a chance de se nascer com ele é uma em três. Os felizardos portadores do genótipo GG, como é chamado, são aqueles simpáticos, extrovertidos, bem-relacionados e sempre dispostos a ouvir o que os outros têm a dizer. Os demais tipos, AG e AA, tendem à desconfiança e não são lá muito sensíveis às necessidades alheias. Mas se você não se reconhece nos “gegê”, não se preocupe. A arte de se relacionar, cada vez mais apontada como item fundamental para se alcançar e manter o sucesso na vida pessoal e profissional, virou uma espécie de obsessão dos estudiosos do comportamento humano nos últimos anos e do trabalho deles vem emergindo uma série de conclusões mostrando que o destino genético, neste caso, não é definitivo e que existem outras maneiras de adquirir aquilo que a biologia lhes negou. Uma delas é aprimorar a sua inteligência social, um novo conceito que começa a ganhar espaço em consultórios de psicologia, lares e até mesmo nas empresas e que pode ser definido como a capacidade de lidar com as outras pessoas e entender os sentimentos alheios. “Melhorar nossas competências sociais é fundamental para se ter mais qualidade de vida”, afirma a psicóloga Mônica Portella, do Centro de Psicologia Aplicada e Formação do Rio de Janeiro (CPAF-RJ), autora do livro “Estratégias de THS – Treinamento em Habilidades Sociais” e uma das principais propagadoras da chegada de uma era da inteligência social.

O conceito segue na esteira de um outro fenômeno da psicologia, a propagada inteligência emocional – termo que ficou mundialmente famoso nos anos 1990, a partir dos best-sellers do psicólogo americano Daniel Goleman, e se tornou uma espécie de referência para avaliar as probabilidades de uma pessoa ser bem-sucedida. Quanto maior a capacidade de identificar os nossos sentimentos e dos outros, de nos motivar e gerir bem nossas emoções e relacionamentos, maior o coeficiente de inteligência emocional. A inteligência social, por sua vez, está atenta à forma como o indivíduo ocupa seu espaço nos ambientes coletivos. E propõe uma verdadeira ginástica psicológica para exercitar habilidades atrofiadas de convivência. Pelos preceitos da psicologia positiva, quando se treina constantemente determinadas habilidades, é possível ajeitar defeitos de fabricação e construir relacionamentos saudáveis. Segundo especialistas que se debruçaram sobre o tema, são seis as habilidades que devem ser trabalhadas: comunicação verbal, não verbal, assertividade, autoapresentação, feedback e empatia (leia quadros).
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PARCEIROS
Adriano Oliveira, do Rio, não conseguia ter uma boa relação
com o filho Lucas. Lançou mão da assertividade, passou a se
expressar de forma clara e honesta e hoje são grandes amigos
Aperfeiçoar a arte de falar e escutar, saber a melhor forma de se portar e vestir em situações distintas, conseguir dizer não quando necessário, dar feedbacks (o popular retorno) sem gerar mágoas e estar atento às necessidades do outro são o que os teóricos da inteligência social chamam de “desenvolver o ouvido emocional.” Essas características pessoais, obviamente, não são novas, nem mesmo algumas das técnicas utilizadas para desenvolvê-las. O que os especialistas fizeram foi reunir conceitos em alta na sociedade contemporânea e formatar uma nova embalagem, tal qual ocorreu com a inteligência emocional. E aplicá-los de uma forma mais direta, de acordo com a necessidade do freguês. O psicólogo Adriano Oliveira, 47 anos, decidiu beber de sua própria fonte, a terapia, para aparar as arestas do relacionamento turbulento que tinha com o filho Lucas, hoje um jovem de 18 anos. Cearense radicado no Rio de Janeiro, Oliveira foi criado dentro de um modelo patriarcal tradicional. Ao copiar seu genitor, quase perdeu o filho. Separado da mãe de Lucas desde que o menino tinha sete anos, ele só via o filho a cada 15 dias, até que o garoto não quis mais ir para a casa do pai. A reconquista aconteceu gradativamente, mas começou quando o psicólogo se deu conta de que não sabia pedir desculpas se exagerava na dose. “Também percebi que não sabia dar carinho, coisa que ele me cobrava muito.” O terapeuta desenvolveu, entre outras habilidades da inteligência social, a assertividade, ou seja, a capacidade de se expressar de forma clara e honesta.

O mundo do trabalho também vem exigindo cada vez mais pessoas com altos coeficientes de inteligência social. Uma pesquisa feita com 46 mil executivos brasileiros pelo Grupo Catho identificou que entre os principais fatores na contratação de um funcionário estão o desempenho dele na entrevista e suas competências comportamentais (curiosidade: fluência em inglês ficou na lanterninha). Segundo Regiane Chaves, responsável pelo recrutamento da indústria de alimentos Nestlé, as competências comportamentais representam de 70% a 80% do que sua equipe avalia durante o processo seletivo. “As habilidades técnicas estão no currículo e são sempre mais fáceis de desenvolver posteriormente; já as comportamentais são mais difíceis”, diz. Regiane conta que, durante a seleção, pede que a pessoa relate algum episódio de um emprego anterior na qual ela teve que lidar com uma situação difícil. “É por meio desse depoimento que vamos ver como ela trabalha em equipe, com as hierarquias, como age num momento de crise.” Uma vez funcionário da Nestlé, há programas de treinamento dessas competências, em especial dos líderes. As empresas estão cada vez mais preocupadas com a inteligência social e emocional de seus funcionários por causa da “guerra de talentos” que está acontecendo no mercado aquecido. “Quando uma pessoa tem um comportamento inadequado, isso ajuda a afugentar talentos – principalmente quando essa pessoa é o líder da equipe”, afirma Regiane.
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RETORNO
Fernanda (à esq.), de São Paulo, carrega consigo a máxima do mundo
corporativo de que o feedback deve ser profissional e nunca pessoal
Paulo Almada, 33 anos, engenheiro que mora em Florianópolis (SC), aprendeu a importância de desenvolver a inteligência social nos primeiros anos de profissão. “Buscar conhecimento técnico e atualização na minha área é fácil, está tudo nos livros e manuais”, diz. Já saber se relacionar com os colegas sem perder o foco em brincadeiras e longe das intrigas era um desafio um pouco mais complexo. Almada investiu em um curso focado em desenvolvimento humano e faz do aikido, arte marcial japonesa, seu aliado para manter a atenção. “Já consigo me expressar melhor e, principalmente, ouço mais.” A habilidade da inteligência social mais trabalhada pelo engenheiro foi a comunicação.

O consultor de executivos Dino Mocsányi é expert em capacitar líderes de grandes empresas e levanta a bandeira de que as corporações deveriam investir cada vez mais nesse tipo de treinamento. Uma das maiores dificuldades do mundo corporativo, acredita, são os ruídos de comunicação. “Vivemos em tempos em que todos querem falar e ninguém têm paciência para ouvir”, afirma. A paulistana Fernanda Tonon, 34 anos, que foi gestora na área de tecnologia da informação durante 15 anos, lembra de mais um problema: os chefes que não sabem dar retorno (ou feedback, na linguagem corporativa). “Tive um que vivia dizendo que eu deveria deixar de ser desbocada, mas nunca apontava quais eram as minhas deficiências profissionais”, diz ela, que mudou radicalmente de área e agora usa o que aprendeu com a inteligência social, e a maneira certa de dar e receber retornos, em seu consultório, como terapeuta junguiana.
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BEM-ESTAR
Para conseguir treinar a sua empatia e se colocar no lugar do outro – no caso,
seus funcionários –, a carioca Claudia mergulhou nos cursos de autoconhecimento
Saber estabelecer uma comunicação fluida não é tão simples quanto parece. Além de afinar o ouvido e saber a hora certa de se pronunciar, o corpo deve estar de acordo com o que se fala. “Se uma pessoa me diz que está feliz, mas seus ombros estão caídos e o rosto é inexpressivo, fica difícil acreditar no que sai de sua boca”, diz a fonoaudióloga Camille Pinho. O tom da voz, o ritmo, a intensidade da fala e até a roupa usada pelo interlocutor – a tal da autoapresentação, outro item que compõe a inteligência social – podem estar em desacordo com a palavra dita. Saber ler o interlocutor é também parte dessa arte. No entanto, algumas expressões estão passando despercebidas. “Nossas pesquisas revelam que o medo, a tristeza e a raiva têm perdido espaço na sociedade moderna”, diz o especialista em leitura de expressões faciais e corporais João Oliveira, autor do livro “Saiba Quem Está à Sua Frente” (Wak Editora).
Entender os sentimentos contidos nos gestos e captar as mensagens subliminares na fala dos outros era questão de honra para o engenheiro e gestor de projetos Beto Caleffi, 49 anos, de Porto Alegre. Caleffi trabalha numa empresa de tevê a cabo com 450 empregados e viaja o Brasil inteiro para implantar projetos. O diálogo constante com funcionários dos mais variados níveis exige dele maleabilidade. “Se alguém me recebe de braços cruzados, sei que está fechado para mim e tento logo mostrar que não represento uma ameaça”, diz. O empenho, obtido sobretudo no curso de leitura de sinais e no de programação neurolinguística (PNL), rende frutos na vida pessoal. “Você estabelece relações mais verdadeiras, pois não cria subterfúgios para ser quem é”, diz ele, um craque na comunicação não verbal. Seja em casa, no trabalho ou no supermercado, Caleffi tem como mantra fazer o bem para colher coisas boas.
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FOCO
Paulo Almada, de Florianópolis, fez cursos direcionados e pratica
aikido, arte marcial japonesa, para melhorar a capacidade de
comunicação e manter atenção total em suas conversas
Esse, aliás, é o lema preferido do consultor e especialista em networking George Fraser. Em seu livro “Click – Dez Verdades para Construir Relacionamentos Profissionais Extraordinários” (BestBusiness), ele aponta como a verdade mais importante a máxima bíblica totalmente ignorada nas relações profissionais: ame, sirva, ajude o próximo. Só assim, diz o autor, é possível aumentar o círculo de pessoas com as quais mantemos relacionamentos saudáveis. “Saber se relacionar é a base de tudo”, afirma Fraser, que escreveu o livro para mostrar que networking não tem a ver com conseguir algo dos outros, mas sim com oferecer o que você tem de melhor. A escola de desenvolvimento humano deste americano de 66 anos foi a própria vida. Órfão e sem grandes expectativas, ele decidiu desafiar os que lhe aconselharam a fazer um curso técnico e se dar por satisfeito. Conseguiu cursar uma universidade, virou executivo de multinacionais e deixou a promissora carreira para abrir sua própria consultoria. “Muito cedo eu percebi que se fosse legal com as pessoas, ouvisse mais, sorrisse mais e servisse mais, teria ajuda”, diz. “E elas começaram a me ajudar.” O americano percebeu sozinho que a chave do sucesso seria cultivar relações. Talvez ele seja um felizardo “gegê”, o gene da gentileza.

No estudo conduzido pela cientista Aleksandr Kogan, 23 casais com o mapeamento genético traçado foram filmados na seguinte situação: um contava ao outro um momento difícil de sua vida. A filmagem tinha como foco o ouvinte. As imagens foram, posteriormente, exibidas para desconhecidos que tinham que apontar quais eram os mais solidários à história que estava sendo contada e quais não pareciam se importar tanto. Os mais preocupados eram – bingo! – os “gegês”. O estudo é um desdobramento de um trabalho feito anteriormente pela americana Universidade de Oregon, que descobriu as variações genéticas ligadas à oxitocina, o hormônio envolvido nos processos de vínculo afetivo, empatia, conexões sociais. As descobertas podem ajudar no tratamento de distúrbios como o autismo, já que os AA e os AG correm mais riscos de desenvolver a síndrome. A forma como a genética afeta o comportamento, entretanto, ainda é pouco conhecida. Sarina Rodrigues Saturn, da Universidade de Oregon, lembra que qualquer um, entretanto, pode superar seus genes. Afinal, não é todo mundo que nasce com inteligência social em abundância, caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e de outros personagens notórios (leia quadro ao lado). E dá um conselho sobre quem não nasce “gegê”. “Tudo o que essas pessoas precisam é de um pouco de estímulo para saírem de suas conchas.”
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ATENÇÃO
O gestor de projetos Beto Caleffi, de Porto Alegre, usa a comunicação
não verbal: lê expressões corporais e faciais para compreender
melhor os funcionários da empresa onde é sócio
Os primeiros ensinamentos sobre relações começam na infância. É de pequeno que se deve aprender a interagir de uma maneira saudável. “Esse primeiro momento é fundamental para o desenvolvimento psíquico e neurológico do ser em formação”, alerta o psiquiatra Ricardo Krause, especialista nas relações entre pais e filhos. “O estímulo externo orienta o caminho que os neurônios vão tomar na formação do cérebro.” Uma boa dica para os pais é falar sobre suas próprias emoções e sobre os sentimentos dos outros. De preferência, antes dos oito anos de idade. É o que aponta um estudo feito pela Universidade de Sussex, da Inglaterra, que mostrou que as mães que conversam sobre o estado mental e emocional das pessoas e delas mesmas criam filhos com uma inteligência social maior – mais atentos, empáticos e com uma compreensão mais ampla dos estados emocionas ao seu redor.

A boa notícia é que nunca é tarde para começar. A carioca Claudia Pimentel, 48 anos, virou uma aluna das competências sociais em tempo integral quando, há três anos, herdou uma fazenda de eucaliptos e de gado de corte. Foi preciso treinar, sobretudo, a habilidade social da empatia para entender a mentalidade de seus funcionários e o ritmo de vida do interior. “Queria também ser mais assertiva e dizer não sem ganhar cara feia em troca”, diz. Três anos depois, a vida ficou mais leve. Claudia, todavia, sabe que não pode se acomodar. Afinal, até os “gegês” precisam aprimorar sua inteligência social por toda a vida.
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